Própolis vermelha produzida em Marechal é destaque no Globo Rural
Uma substância cobiçada pela indústria farmacêutica do mundo todo transformou a própolis vermelha num produto de alto valor no mercado. E esse tipo de própolis só existe num lugar aqui no Brasil, no litoral de Alagoas. Vamos, então, saber que substância é essa. E visitar uma criação de abelhas no meio do manguezal, um lugar que desperta a atenção e o interesse de negociantes internacionais. Dos 17 municípios que compõem a faixa litorânea de Alagoas, 12 têm apicultores que trabalham com a própolis vermelha. Em Marechal Deodoro, um dos mais conhecidos é José Marinho de Lima, que atravessa a lagoa Manguaba para nos encontrar. Junto dele, está o filho Carlos. A viagem até o outro lado da lagoa não demora mais do que 15 minutos, tempo suficiente para Marinho lembrar de vinte e poucos anos atrás, quando começou sua criação de abelhas. “Tudo improvisado. Até caixa nós tivemos que improvisar, tudo improvisado, porque, naquela época, em Alagoas, não se falava nem em abelha. A propriedade era de bisavós, de avós, de pai. Uma coisa interessante, a apicultura, porque o indivíduo que entra na linha da apicultura normalmente não sai mais, porque é apaixonante”, diz. “A placa é para prevenir, porque é a segurança. Já está avisado de que não deve destruir nada aí, não deve fazer zoada. Passar, ele pode passar tranquilo, só não pode mexer nas caixas”, explica Marinho. Em terra firme, ainda temos uma pequena caminhada ilha adentro. Além de suas 200 caixas de abelha, Marinho conta com exatos 671 coqueiros. Tudo caprichadamente numerado. “Os produtivos estão todos numerados. Agora tem muitos coqueiros novos que ainda não foram numerados porque não estão na faixa de produção ainda”, diz. “O máximo que eu tirei é 8.500 cocos, mas fica em torno de cinco mil cocos, seis mil cocos, de dois em dois meses ou de três em três”, explica o apicultor Carlos Lima, andando pelo coqueiral. Ele ajuda o pai apenas com as abelhas. “Já levei muita picada. No começo, eu passava dois três dias sem conseguir. Ficava inchado, delirando, com febre. De tanto levar, acostumei um pouco, mas sofri um bocado”, diz Carlos. Bem perto da entrada do apiário, o coqueiro de número um indica que é hora de colocar a roupa de apicultor. “Esquenta um pouquinho, mas só que aqui a gente é protegido também pela natureza. As árvores são altas, tem essa vantagem, essa grande vantagem. Sombreado é o apiário ideal para a produção da própolis. Nossa própolis é diferente. Em vez de ela ser seca, ela é liguenta, e, se ao sol, derrete como chiclete”, explica o apicultor. No apiário, a fumaça serve para acalmar as abelhas, mas, antes da coleta da própolis, vale uma explicação. Uma caixa de abelhas voltada para a produção de mel é assim, fechada de todos os lados. Só mesmo o alvado embaixo para elas entrarem e saírem. Já quando o objetivo é a produção de própolis, a caixa tem esses vãos, deixados de propósito pelo apicultor para estimular a vedação. “A estrutura tem a finalidade de vedar todas as frestas da colmeia para evitar o ataque de predadores, para evitar o excesso de luminosidade, para evitar o excesso de corrente de ar. A tendência é fechar tudo”, afirma Marinho. “O coletor de própolis funciona da seguinte forma. É removível. Quando você remove o coletor, a própolis está aqui. Você tira um e automaticamente já coloca outro. Tira um e, ao mesmo tempo, vir com outro e colocar no mesmo lugar”, explica o apicultor. De volta ao apiário, veja como as abelhas trabalham para fechar as brechas do coletor. Elas parecem incansáveis. E, geralmente, depois de uma semana… “Aqui está na faixa de trinta gramas, mais ou menos, de própolis. Isso varia. Eu já consegui tirar aqui numa semana 2,7 kg de própolis. Foi o máximo. Mas aí varia, 1,8 kg, 1,7 kg, 2,1 kg. Fica variando. O mínimo foi 200 g por semana. Isso é sazonal, depende do tempo. Tem abelha que numa semana está cheia de própolis. Na outra semana, ela não tem nada”, diz Marinho. “O trabalho da própolis é mais simples. Você basta usar o coletor e vai ser um trabalho externo. Já para o mel, nós temos que abrir da caixa e temos que tirar o alimento, que é o alimento da abelha. É a mesma coisa de uma pessoa tirar o alimento da sua casa”, afirma Carlos. E para não enfraquecer a colmeia, Marinho e o filho Carlos não tiram o mel das abelhas. “Olha, você está vendo aqui três caixas, três coletores, numa alta produtividade. É simplesmente notável a quantidade de própolis que tem aqui. Se você conseguir uma repetição disso, é um espetáculo, um espetáculo. Uma produção dessa não é comum”. A própolis vermelha só dá onde tem o rabo de bugio, uma planta típica do manguezal. Você que consome mel com frequência sabe que, dependendo da florada, o produto tem cor e sabor diferentes. O mel de laranjeira, por exemplo, não é igual ao mel de eucalipto, de cana-de-açúcar e assim por diante. O mesmo ocorre com a própolis. Ela muda de característica de acordo com a vegetação de cada região. O Bruno Cabral é biólogo e vai mostrar o rabo de bugio, a planta de onde as abelhas tiram a resina para produzir a própolis vermelha. “É quase que uma trepadeira. Ela é uma planta que faz parte do grupo das leguminosas, que é mesmo grupo da soja, da alfafa, do feijão. O nome científico do rabo de bugio ou bugio, como é popularmente conhecido, é Dalberguia ecastaphilum. A ocorrência principal dela vai desde o sul da Flórida até o limite sul do Brasil e existe também registro na costa leste do continente africano”, diz Cabral. Com o rabo de bugio por perto, a abelha aproveita qualquer fissura no galho para raspar a resina e levá-la para sua colmeia. Em alguns momentos, elas rodam, rodam, como se estivessem dançando. O vermelho intenso da resina é o que dá a cor para a própolis. Com a perninha de trás carregada, as abelhas levantam vôo. Dos treze tipos de própolis existentes no Brasil, cinco são da região Sul, um dos estados do Sudeste e sete do Nordeste. A própolis vermelha de Alagoas foi a última a ser descrita e catalogada pelos pesquisadores. A sua particularidade é uma substância nobre chamada isoflavona, que tem dado o que falar. Este é o laboratório onde trabalha o agrônomo Severino Alencar, na Esalq, em Piracicaba, São Paulo. Severino coordena o grupo de estudos em própolis do CNPq, que envolve a USP, a Unicamp e a Universidade Federal de Alfenas, em Minas Gerais. “Nós já investimos, em quatro anos, em torno de R$ 1,2 milhão. Essa é a primeira vez que a gente tem uma quantidade de recursos significativos para estudo de uma única própolis. É um produto natural, rico em isoflavonas. Nunca se encontrou isso uma própolis brasileira e com grande de aplicação na indústria de alimentos e farmacêutica”, diz Severino. A isoflavona é uma substância geralmente encontrada em plantas das famílias das leguminosas. A mais famosa delas é a soja. Sobre a isoflavona da própolis vermelha, os estudos indicam um futuro promissor. “A gente mostra que realmente é uma boa fonte de combater radicais livres. E quem não gostaria de envelhecer com qualidade, já que nós envelhecemos por ataque de radicais livres”, afirma o pesquisador. Ainda em Piracicaba, bem pertinho do professor Severino, trabalha o doutor Pedro Rosalen, farmacêutico e professor da Faculdade de Odontologia da Unicamp. Em seu laboratório, há 12 anos vem analisando os mais diversos tipos de própolis, da verde à marrom, e, agora, a vermelha. Em todas elas, encontrou bons resultados no combate à formação da placa dental, “que é o início, muitas vezes, de problemas de saúde odontológica, da saúde bucal, como a cárie dental e a doença de gengiva”, explica. “Ela mata a bactéria causadora dessa placa no dente. Mas o mais curioso é que, em baixa concentração, ela não mata a bactéria, ela diminui o que nós chamamos de fatores de virulência. Porque não adianta você matar a bactéria especialmente numa ambiente como a boca, porque, dali a alguns minutos, nós vamos ter outras bactérias povoando a boca novamente. Então, talvez, uma forma mais eficiente de combater essas bactérias da boca seja diminuindo ou enfraquecendo o seu poder de causar doença”, explica o farmacêutico. Por conta de descobertas assim, a procura pela própolis vermelha chamou a atenção do mercado internacional, principalmente do Japão. O interesse dos japoneses pela própolis vermelha é tamanho que, uma vez por ano, eles desembarcam aqui em Alagoas para visitar os apiários. Só que tudo em segredo, tudo em sigilo. Tanto que eles acabaram de descer daquela lancha e não quiseram gravar nenhuma entrevista e nem permitiram que a nossa equipe de reportagem acompanhasse esse momento. Ainda assim, conseguimos flagrar uma pequena movimentação, até que fomos autorizados a conversar com o exportador Cezar Ramos Júnior, que, há 16 anos, vende uma outra própolis, a verde, para esses compradores. “Não sabemos o que vai ser produzido, e, na verdade, ainda são em escalas muito pequenas. Vamos dizer que hoje ainda é escala em nível de pesquisa”, diz. Os japoneses já detêm 43% das patentes de própolis no mundo inteiro, e são eles que compram a maior parte da produção da própolis vermelha de Alagoas, que, hoje em dia, gira em torno de uma tonelada e meia por ano. Para organizar toda a cadeia de produção e comercialização da própolis vermelha, desde 2007 o Sebrae vem trabalhando junto aos apicultores. A analista técnica Amanda Bentes é quem presta assessoria nos projetos que envolvem esse nobre produto de Alagoas. “A própolis na cor vermelha existe em outros países, inclusive na África. Porém, com as propriedades diferenciadas, essas que estão sendo buscadas pelo mercado, só é produzida em Alagoas. O próximo passo é a gente conseguir uma indicação geográfica. Indicação geográfica é um selo de qualidade que é cedido pelo INPI, Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o qual corresponde que aquele produto ele é natural, tem uma forma diferenciada de fabricação, tem propriedades diferenciadas e que são respeitadas pelos produtores locais”, diz Amanda. Enquanto a indicação geográfica não vem, enquanto as pesquisas avançam e enquanto o mercado da própolis vermelha se consolida, o litoral de Alagoas só tem a ganhar com o desenvolvimento dessa atividade em seus manguezais, como ressalta o biólogo Fernando Pinto, do Instituto para Preservação da Mata Atlântica. “Quisera eu que todos os outros ecossistemas descobrissem uma própolis de cada cor para que a gente pudesse ter em cada ecossistema um grupo, como são esses apicultores, preocupados em preservar essas áreas. Se você não preservar a mata, atinge o manguezal. Se não preservar o manguezal, você atinge a Mata Atlântica. Não tem como você dissociar esses dois ecossistemas”, afirma Fernando. Vale lembrar que nem toda própolis vermelha contém isoflavona. Só exames de laboratório podem confirmar essa qualidade no produto.