15 / 09 / 10

‘Palestra de Placa’, criada na FLIMAR, ganha destaque no jornal O Estado de São Paulo

Décadas atrás, no Maracanã, Pelé saiu com a bola dominada, driblou o time adversário inteiro e marcou um gol que mereceu uma placa de bronze. Daí a expressão gol de placa. Saibam, todavia, que desde a semana passada existe a Palestra de Placa. Uma palestra tão incrível, emocionante, poética, avassaladora, que mereceu uma placa na cidade de Marechal Deodoro, Alagoas. Contarei aqui, logo, o que foi a Flimar, Feira Literária de Marechal Deodoro, organizada pelo Carlito Lima. Ele criou a 1.ª Palestra Literária de Placa, dada a Marina Colasanti, que falou durante hora e meia e pareceu sete minutos. Todos que circulam por este Brasil sabem, falar depois da Marina é desastre. Esperem, contenham a ansiedade. No sábado paulistano, café na padaria, para variar a rotina. Como minha casa estava em reforma e como todos os que me leem sabem o que significa uma reforma, compreenderão por que fiquei quatro meses na casa de uns primos, Zezé e Marilda, enquanto meu apartamento parecia Cabul. Paredes derrubadas, ausência de portas, livros encaixotados, piso arrancado, janelas sem vidros, encanador encontrando vigas de concreto e os canos fazendo curvas em espaços mínimos, o eletricista deixando de fazer as tomadas 220, esgotos entupidos pela sujeira dos ajudantes de pedreiro que se livravam do entulho de qualquer maneira, uma pintura feita e refeita, porque a parede não foi lixada, depois emassaram (certo o termo?) em seguida porque a tinta 1 era uma porcaria e a loja não quis trocar pela 2, comprou, comprou, acabou. Reformar a casa é exercício de paciência que nos leva à loucura e nos coloca à prova a todo momento. Quem chega ao final merece indulgências. Porque o pedreiro se recusa a fazer um acerto que não estava no acordo, o ladrilheiro colocou as pastilhas erradas e teve de repor, o caçambeiro deixa a caçamba uma semana, em vez de três dias, e as carrocinhas derramam no meu espaço tudo o que recolhem pela cidade. Dessa maneira, cada vez que eu descia pela manhã, encontrava uma pia, um sofá, uma porta, um engradado de garrafas, um monte de tijolos e uma mala velha que não tinham saído de minha casa. Fazer o quê? Esconder-me no portão com uma espingarda e atirar em quem quer que se aproxime da "minha" caçamba? Por outro lado, repenso e vejo que somos os culpados, porque entregamos a esses carroceiros avulsos aquilo que está entulhando nossa casa, sem saber aonde eles vão jogar. E ainda me pergunto: essa gente sofre para danar puxando uma carrocinha pesada, o dia inteiro, parte da noite, por ruas mal asfaltadas, esburacadas, para ganhar míseros trocados, poder comer alguma coisa e ainda reclamo? Quantas vezes não vejo esses "burros-humanos" puxando um peso descomunal enquanto atrás deles, motoristas ansiosos, grosseiros, mal educados buzinam e xingam? Que sociedade estamos construindo, que cidade estamos criando? Assim, enquanto reformava Cabul, digo, minha casa, abandonei a padaria do bairro, a CPL, e saí pela cidade. Dias desses, batemos numa padaria simpática, na esquina das Ruas Bahia e Goiás. Fazia sol, um daqueles dias secos, atmosfera de deserto, ficamos na mesinha de calçada. Pedimos sucos, pão na chapa, misto, capuccinos, ficamos a conversar. Meu primo Zezé levantou-se e se afastou para fumar. Foi então que ouvimos a senhora de uns 65 anos, que tinha chegado e amarrado seus cachorrinhos bem à nossa frente. – Que coisa! A que ponto chegamos! Esse aí levantou, foi fumar longe! Daqui a pouco, o povo vai fumar lá no Pacaembu! O estádio fica a 500 metros da padaria. Rimos, ela continuou, é daquelas pessoas que interagem logo. – Fumantes! Que humilhação! Outro dia, estava em Madri, no aeroporto, e fiquei espantada. Os fumantes são encerrados numa bolha e ficam lá, expostos, sendo olhados como bicho em zoológico. Ou foi em Barcelona? Não faz mal, a bolha existia e era uma loucura. Sorte que parei de fumar. Ia ser demais para mim esses vexames. Outra rodada de capuccinos e a mulher continuou: – Encontrei uma amiga que ficou viúva há seis meses. Ela também parou de fumar. Conversamos sobre isso e ela me confessou que nesse tempo todo não sonhou uma só noite com o marido. E olhe, que gostava dele, sei que se gostaram a vida inteira. Agora, com o cigarro, ela sonha toda noite. Toda santa noite! Ela comeu seu pão com queijo de Minas, aliás, disse que era mineira, falou o nome da cidade, para lá de Guaxupé, não ouvimos direito. – Volto muito, tenho ainda uma porção de amigas, muitas moram aqui, nos encontramos lá e, como é costume, colocamos nossas cadeiras na calçada e botamos a prosa em dia. Falamos de Deus e da vida e da vida de todo mundo. Não perdemos nem perdoamos ninguém. Fazer o quê? Pela minha rua passa muita amiga de juventude, aquelas que ficaram por lá. Acabadinhas, maltratadas, coitadas. Se vê logo, é uma gente que não teve nem tem acesso ao botox. Daí aquelas caras… Ficaríamos horas ouvindo e interagindo, a mineira era engraçada. Mas aquele "não tiveram acesso ao botox" disse tudo, resumiu nossa sociedade, nossa civilização, o mundo de agora, que se divide entre quem teve e quem não teve acesso ao botox. Um mundo de caçamba, carroceiros, botox!