Crônica de Carlito Lima: Memorial à Rapariga Desconhecida
No final do século XIX deu-se início ao bairro de Jaraguá. Os grandes comerciantes, os burgueses, os governantes construíram casarões avarandados em frente à praia. Residências modernas, dois andares avarandados, moradias chiques da época, orgulho da capital das Alagoas. Quando iniciaram a construção dos trapiches para dar suporte à exportação do açúcar no cais do porto ainda nas primeiras décadas do século XX, os proprietários dos casarões de Jaraguá sentiram-se incomodados com a proliferação de bares, foram debandando para outros bairros em expansão na cidade. Região portuária é chamariz de biroscas e raparigas, logo as casas avarandadas de dois andares foram transformadas em boates, lupanares ocupados pelas mariposas do amor atraídas pela região do cais do porto. O bairro do Jaraguá tornou-se zona de prostituição. Os cabarés refinados de Jaraguá importavam produtos do Recife, Bahia e até da França, além das brejeiras sertanejas nordestinas. Ambiente fino, visitado por coronéis de engenho e do Exército, deputados, senadores, grandes figuras da nação. As boates tinham os nomes mais variados: Alhambra, Night and Day, Tabariz, São Jorge, Verde, entre outros. Nos anos 60 a região das praias de Pajuçara, Ponta Verde tornou-se moradia predileta dos mais abastados, a classe média alta sonhava com casa nessas belas praias. A região foi crescendo, os moradores quando iam ao centro da cidade, inevitavelmente passavam pelo corredor da prostituição, os casarões avarandados de Jaraguá; isso incomodava muita gente da alta burguesia. Certo dia a senhora do Secretário de Segurança Pública foi ao mercado às seis da manhã, quando o carro da Secretaria passava por Jaraguá a madame tomou um susto, um boêmio retardatário após descer a escadaria do lupanar, calmamente puxou o negócio para fora da calça, fez jorrar um jato de xixi amarelo no meio-fio da calçada. Aquela cena não saiu da cabeça da madame, principalmente o tamanho do negócio, ao chegar em casa exagerou a história ao coronel. No outro dia todas as boates receberam uma circular dando um prazo de 60 dias para se mudarem daquela região. O coronel com uma canetada acabou a zona de Jaraguá em 1969. Terminava a história da boemia e da moradia por mais de 60 anos das prostitutas, das raparigas desvalidas, prestadoras do serviço mais antigo da humanidade. Logo, a ganância imobiliária iniciou a derrubada de alguns casarões de Jaraguá para construir monstrinhos modernos, a sede do Bradesco, a Comisplan, entre outros. No início dos anos 70 artistas, arquitetos, Ênio Lins, Pierre e Solange Chalita, entre outras figuras sensíveis, organizaram um movimento, batalharam, conseguiram com muito esforço, cidadania, mobilização. Os casarões de Jaraguá foram tombados. Graças a esse movimento possuímos esse acervo arquitetônico, patrimônio do povo brasileiro. Enquanto as meninas ocuparam aqueles casarões por mais de 60 anos, nunca houve demolição, mesmo involuntariamente elas preservaram o belo acervo cultural, e nos legaram um dos mais importantes patrimônios arquitetônico e histórico da cidade. Hoje Jaraguá com seus prédios restaurados, poucos lembram que ali foi um ambiente da boemia, da zona das meretrizes, das marafonas, das perdidas que alimentavam de fantasias os homens, naquela bela época. Para fazer Justiça a essas bravas guerreiras, a Confraria do Sardinha, formada por artistas, intelectuais, boêmios, políticos e outros desocupados frequentadores do Bar da Zefinha, resolveu homenagear essas injustiçadas mulheres, as raparigas que conservaram os casarões. Numa cerimônia singela, porém muito emotiva, reunidos antigos frequentadores de Jaraguá, foi afixada na parede da ex Boate Alhambra, a placa, MEMORIAL DA RAPARIGA DESCONHECIDA, como reconhecimento e justiça ao trabalho da mulher que conservou, nos legou o mais importante acervo arquitetônico da cidade, os casarões de Jaraguá.