Crônica de Carlito Lima: Pacto siliencioso
O CASAMENTO Orlando casou-se cedo com Gilda, filha de um próspero fazendeiro lá para as bandas da Palmeira dos Índios. Dona Solange, a mãe, incentivou o casamento da filha aos 17 anos. Vivia um drama, o marido, Fernando, ainda moço, com câncer, tinha pouco tempo de vida. De fato, dois anos depois do casamento, Gilda perdeu o pai. Orlando tomou conta da fazenda, mostrou-se bom administrador. Embora engenheiro de profissão, soube cuidar de gado e cabra. A família tem bom padrão de vida, Gilda teve duas filhas, mais duas mulheres na vida de Orlando. Ele tornou-se amigo de fé da ainda jovem sogra, parece irmã de Gilda. BOEMIA Bom marido, tem um pequeno defeito, tomar uísque com amigos aos sábados. Gilda nunca reclamou esse pequeno defeito, é compreensiva. Na verdade ela até gosta, ama essa “boemia”. Quando Orlando chega em casa na noite do sábado, entra com cuidado, toma banho, um pouco bêbado, deita-se na cama, a esposa está sempre de fina camisola; ele beija seus pés, alisa o corpo, uma pequena liturgia sensual, Gilda se acorda, se amam feitos dois animais. O sabido do Orlando, além de ter uma noitada com os amigos, em casa tem o amor de sua bonita mulher. Assim é sua leve boemia: tomar alguns uísques e bater papo inteligente sobre cinema, música e literatura, coisa que ele tanto gosta e não existe na fazenda. Orlando costuma se gabar, não precisa “pular a cerca”, ter amantes, ter namoradas, pois, tem excelente mulher em casa, que dá no couro e o satisfaz. O BILHETE Num belo sábado, havia um aniversário de 15 anos, Orlando se recusou a ir. Gilda foi com as meninas. Nosso herói bebeu com amigos na Barraca Pedra Virada até dar a hora de se recolher, mesmo sabendo que Gilda estava no aniversário. Ao entrar no quarto, surpreso, percebeu a mulher enrolada na cama, ar condicionado ligado. Orlando foi imediatamente ao banho, enxugou-se, meteu-se embaixo do lençol, iniciou o ritual sabatino, beijou os pés, alisou o corpo, sentiu um perfume diferente, meio bêbado continuou o embalo. Nesse momento ela sentou-se abraçando-o, cochichou no ouvido: Que loucura! Que loucura! Orlando explodiu de emoção ao perceber que estava atracado com sua exuberante e gostosa sogra. Não havia mais condições de parar, de voltar. Nem eles queriam. Terminaram como se fossem meninos pela primeira vez. Depois da apoteose, deitados, pensavam: “Que loucura, e agora?”. Solange foi a primeira a falar: “Você leu o bilhete de Gilda?” Orlando levantou-se, caminhou até a porta onde estava pregado um papel bem visível: “Meu amor, mamãe chegou cansada, lhe dei nossa suíte. Faça um sacrifício, vá para o quarto de hóspede, ligue o ventilador. Quando eu chegar lhe acordo. Um beijo. Gilda”. Quando Gilda chegou, Orlando estava dormindo no quarto de hóspede, roncava como um bodão feliz. Com carinho e cuidado ela acordou o marido, carícia na orelha, na face, beijou-o no rosto, na boca. Seu homem lhe amou como nunca. FAMÍLIA UNIDA, PERMANECE UNIDA No café da manhã, o casal tomava suco enquanto o café fervia. Apareceu Solange com um sorriso nos lábios, radiante, bonita, sensual. Deu um olá como se estivesse no sétimo céu. Gilda percebeu e perguntou: “Que alegria explícita e contagiante é essa, minha mãe?” Solange respondeu com um sorriso nos lábios: “Acho que sonhei com seu pai, menina!” Foi um alívio para Orlando que esperava certo constrangimento, não houve, pelo contrário, parecia que nada acontecera, ele se sentiu radiante, feliz, passaram o domingo na orla com as meninas. Orlando iniciou nova vida; quando aparece oportunidade, Solange, a boa sogra, tem vez. Falam as más línguas, os ocupados com a vida alheia, existe um pacto silencioso e feliz entre os três.